VORACIDADES EM GERMINAL, UM ROMANCE HISTÓRICO DE ÉMILE ZOLA




Eu aqui sou nada mais do que um operário como qualquer um de vocês.

Émile Zola

 

O Norte da França dos anos 1864 é o ambiente insalubre da escrita de Émile Zola, à época chamada de germinal, portanto, leia-se Germinal o título do seu livro como que convocando o calendário revolucionário francês. 

Para chegar a tratar das condições de miserabilidade dos mineiros da região, nomeadamente na vila de Montsou, Zola, após abandonar seu trabalho editorial formal, foi viver nas casas cedidas pelas Companhias com os povos das minas de carvão para observar o que de revolucionário havia chegado à, então, classe trabalhadora e havia chegado mais trabalho e menos direitos. 

Entretanto, com um trabalho jornalístico e histórico, Zola tomou a literatura como plataforma possível da exposição de uma estética e de uma ética de um tempo e de um espaço que parece não ser tão distante apesar de os séculos que nos separam serem poucos. 

Sob as minas de carvão mineral, a descrição é de imagens de trabalho mal remunerado, más condições de trabalho, que é insalubre e perigoso em umidade e calor. Sobre as minas de carvão mineral, a expectativa do recebimento de míseros centavos por cada vagonete extraído, mas necessários para que a fome e sua voracidade não tomassem conta de uma vez de todos e de tudo. 

Germinal é esse romance histórico que é considerado inaugural na chamada escola literária naturalista. Tal fato, implica nas impressões do autor na obra, portanto, tal qual seu tempo, a escrita de Zola é imbuída de um suposto determinismo social e até biológico ao ponto de pôr em níveis homens e cavalos, desumanos, portanto, uma animalização dos seres vivendo não só na base da sociedade e da sobrevivência, mas abaixo do solo, na mina Voreux voraz.

Homens, mulheres, crianças, idosos, Boa Morte, o ancião da família de Maheu que, assim como a mina, cospe escuro por ter resistido a todas as forças que o puxavam para baixo de tudo. A mina, portanto, é um personagem: ora voraz, ora a que alimenta. Fluxo e refluxo à serviço de um capital, de uma burguesia alimentada de maneira abastada em detrimento, muitas vezes, das próprias vidas dos trabalhadores levadas pela exaustão. Uma minha tragando pessoas.

Então? Se há uma forte suspeita de um determinismo inerente dividindo também as classes sociais, haveria saída dessa experiência claustrofóbica? Talvez a figura da personagem Étienne possa responder ao menos uma tentativa de subversão a esses questionamentos, tendo em vista a sua chegada revoltosa na vila após viver, mesmo que pouco, mas o suficiente ali, para que um sentimento de revolta fosse germinado, afinal aquelas relações de trabalho eram impraticáveis. Propôs organização sindical, greve, fundo de greve através da Internacional, tudo ia por meios socialistas num trabalho que tentaria combater a diferença abissal entre a luxuosa burguesia dominante, aqui representada pelo sr. Gregóire que é um dos principais acionistas da Companhia, e os miseráveis trabalhadores lutando para manter suas próprias vidas.

Esteticamente, o romance informa a chegada do maquinista Etienne Lantier à mina de carvão de Voreux vindo de Marchiennes. Logo ele se aproxima da família Maheu, que, com sua esposa, têm seus sete filhos Zacharie, Cathérine, Jeanlin, Alzire, Henri, Lénore e Estelle, abarrotados em uma das pequenas casas da vila. Etienne começa a trabalhar na equipe de Maheu e de Chaval e seguem seu trabalho infame e diário juntos pelas galerias da mina até chegarem aos pontos de extração. É nesse cenário que Etienne conhece Cathérine ali na mina, que ele antes havia pensado ser um rapaz. Por toda essa proximidade, Etienne acaba fazendo amizade com Cathérine, pela qual cultivaria paixão, moça que sofreu até a morte do trabalho na mina,  em virtude da injusta violência de toda ordem sofrida por ela por parte de Chaval, da sua família e  da sociedade. 

Cada homem com sua desgraça, seguia na superfície para o L’Avantage, o cabaré, lugar onde Etienne conheceu Pluchart, representante departamental da Internacional Socialista. Nesse ínterim, Etienne conhece Souvarine, um anarquista russo refugiado. Todos discutem política no âmbito da situação em que se encontravam os mineiros, Souvarine defende mesmo a destruição total, para fazer nascer um novo. Os outros dois defendem a criação de uma caixa de previdência para autofinanciar e permanecerem por mais tempo no caso de uma greve. Então, em reunião com os mineiros, decidiu-se por ela, que foi tomando grandes dimensões com o fechamento da maior parte das minas, apenas a mina de Jean-Bart continuava a funcionar. Com essa liderança, Etienne foi criticado por julgarem que ele queria apenas o poder. 

Com a permanência da greve, a retomada do trabalho foi realizada quando o engenheiro Négrel chegou com trabalhadores belgas, fato que enfraquecia a greve, assim pensava Etienne. Entretanto, era preciso agir, com a preparação para a submersão dos trabalhadores belgas, os mineiros de Voreux reuniram-se na entrada com armas e ódio. Não houve como conter e os grevistas avançaram enquanto a tropa de lá abriu fogo. Muitos ali morrem, Maheu foi um deles.  

A família de Maheu voltou ao trabalho. Etienne foi considerado culpado pelos danos da greve.  Entretanto, os Gregóire festejavam o noivado de Cécile e Gregóire, de heranças. Todos acabam voltando ao trabalho, inclusive Etienne. Entretanto, as infiltrações e desmoronamento fizeram seu trabalho. Salvos por pouco, antes do fim de Cathérine, os dois finalmente tocam-se. Quando o socorro chegou até o local estava Etienne, que foi o único sobrevivente. 

Convidado com consciência a se retirar, Etienne segue para Paris, onde pretende se juntar a Pluchart e viverem um sonho revolucionário para os trabalhadores do mundo.  Que todos germinassem. Assim, Etienne Lantier  inicia e finaliza o romance como quem vai à Paris germinar em outro campo, uma luta operária, afinal, parece que somos todos operários trabalhando para um capital; é só olhar para o lado, é só “respirar a história”, e é possível ler, globalmente, Germinal hoje. 






REFERÊNCIA


ZOLA. Germinal. Tradução de Francisco Bittencourt. Rio de Janeiro: Editora Abril, 1972


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