DE COMO E POR QUE QUERER CONQUISTAR O MUNDO EM SISTEMAS

 

 

Podemos pressupor que, querer conquistar novos espaços tem a ver com a expressão máxima do imperialismo. Podemos pressupor também que, para que houvesse um anseio imperial europeu, havia fundamentos para tais altos investimentos de recursos financeiros, humanos e também tecnológicos na expansão de ideias e do exercício do poder além-mar. Um deles, segundo as citadas perspectivas desconstrutivistas das escolas de pensamento da conquista da América, foi o mito dos homens excepcionais, aqueles heróis que “descobriram” a América, pontuando a sofisticação do feito e a dificuldade do embate para chegar à colonização como fato, o eurocentrismo manifesto nas imagens e imaginários sobre esses bravos exploradores capazes de muitas façanhas.

É um mito, tendo em vista que, em muitas vezes, essas conquistas resultavam, não só em violência e imediata anexação do espaço como se imagina em cenas representadas, mas em negociações acordos com definidas regras inegociáveis com líderes de comunidades indígenas. Eram complexas e diferentes as formas de contatos entre europeus e americanos. 

Ànarrativas tradicionais distorcidas, esses mitos, caminha junto a ideia da superioridade, no caso, em relação aos colonizados americanos, sobre essa justificativa funcionou fortemente a duração da colonização europeia na América: se são diferentes, são inferiores. E, aqui, a justificativa para a implementação de valores civilizacionais (políticaeconômicos, religiosos, sociais, culturais) a todo custo, que atravessaram o tempo e nos constituem enquanto uma das nossas matrizes como no caso do Brasil.

Com esses ideais imperialistas de expansão, europeus desembarcaram nas Américas. Então, os impactos entre europeus e americanos, nos momentos de entrada no Continente, ora desconhecido, foram fundacionais em várias dimensões: fossem por conflitos violentos, alianças ou até guerra; resistência e negociações. A condição de ser americano implicou a ida de encontro aos europeus e, em outros casos, a ida ao encontro dos europeusDaí, a importância das ponderações realizadas pelas perspectivas desconstrutivistas.

Entretanto, até chegarmos a esse entendimento em parte, para a manutenção da condição hierárquica da Europa sobre as populações ameríndias era suposta – e ainda é - a ausência de histórias desses povos, como lembrou o antropólogo e historiador Eric Wolf para retomar a questão, em sua vasta obra, que se põe sobre quem é primitivo e quem é civilizado na distorção da história dos mundos não europeus. Sendo, dessa maneira, mundos diferentes, separados pelo mar e pelos modos de vidas humanas, mesmo que contestada a humanidade dos americanos.

Podemos, então, supor uma inaugural forma de racialização a partir do processo colonial europeu e de um racismo, já criando situações de desigualdade, mais precisamente, os indígenas de cada região em contato, eram inferiorizados. A lida com tempo, a lida com o outro e a lida com o espaço foram objeto de estranhamento na relação entre os povos. De lá, abundavam relatos de formas exóticas dos colonizados, não só nas Américas. Da nudez ao culto diferente aos ancestrais. Em tudo, como pode alguém definir a si como a natureza? A estranheza com o modo da lida com o espaço foi demarcada assim nos sentidos do europeu. Como que se degradando o chão, feria-se a si mesmos? Nas palavras do escritor da Academia Brasileira de Letras. Ailton Kenak, fazemos mesmo parte da natureza

No ensejo da convocação da referência indígena aqui, estendo a reflexão sobre o registro dos contatos entre europeus e americanos quando lemos o livro A queda do céu: palavra de um Xamã Yanomami. A obra é organizada pelo antropólogo Bruce Albert sobre a experiência de Davi Kopenawa Yanomami. Com a epígrafe do também antropólogo Lévi-Strauss, um alerta é acionado quando é anunciada a ameaça não só aos indígenas com as mazelas trazidas pela colonização europeia, mas para os definidos brancos com a ganâncias e exploração do ouro, por exemplo. Um chamado para a sobrevivência é feito. E é sobre essa condição que o Yanomami Davi Kopenawa em jornada xamânica guia nossos olhos pela ótica do seu povo sendo devastado de diversas formas pela predação do chamadohomem branco, desde 1960. Um Brasil indígena com o céu caindo sobre si; sobre a Amazônia esmagada pelo peso do ego ocidental. 

Em oportunidade, foi citado o nome de Miguel León-Portillahistoriador mexicano, sobre sua obra A Visão dos Vencido, tratando de maneira similar a experiência da conquista pelos povos indígenas americanos referenciada assim por identidades culturais e sociais abalam as narrativas eurocêntricas sobre o continente. 

Até chegar ao ponto dessa devastação social e ambiental, foi preciso que o Ocidente considerasse a América enquanto mundo, há um mundo americano? E houve. Houve uma primeira globalização no século XV e XVI em que ensaiavam as navegações como rotas possíveis. Mais tarde, houve o mundo americano que interessava a economia financiada por um Europa expansionista, a partir de centros de acumulação de capital nomeadamente, à época, Londres, Amsterdã e Gênova. 

Na lógica comercial transatlântica, as mercadorias eram diversas, desde produtos brutos aos produtos prontos. Então, eis a incorporação da América, sua mundialização através do comércio de longa distância nos mercados mundiais, além da madeira para a combustão do maquinário industrial, além da seda para vestir a moda. 

Sobre o tema, um conceito de Karl Marx, discutido não só por ele, foi citado: o fenômeno da reificação. O apontamento foi para pensar a economia mundo agindo nos termos de mercado e o tratamento de relações sociais seriam coisificadas, portanto, objetos, desumanizando pessoas, tendo em vista que elas são tratadas enquanto mercadorias., como ocorreu no caso dos indígenas americanos e dos africanos na América quando sua mão de obra era um objeto econômico.  Em reflexão posterior, em suma, não era também a expansão do capitalismo?

Quanto já custou o doce do chá inglês servido na prata da casa? Creiamos que custou o sal de muitas conquistas das e nas Novas Terras férteis e úmidas deste lado da costa do que se passou a ser considerado mundo nos diferentes e assimétricos contatos entre p eu e o outro; o movimento mesmo da alteridade.

Tais conexões comerciais, que geravam a espoliação de terras e gentes, fizeram parte de um sistema que alimentava centros de riqueza nas metrópoles em detrimento da fome nas colônias-periferias. Uma dinâmica de sistema-mundo com ciclos sistêmicos de acumulação do capital, criando dependências para manter seu funcionamento. 

Citado também por Moore, Fernand Braudel, historiador tributário da Escola dos Annales desenvolveu um estudo fundamental para pensar a história, as chamadas economias-mundo em que as formas e dinâmicas das economias desenvolvidas nos sistemas de fronteiras sociopolíticas. A obra em que faz essas e outras discussões é O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Filipe III.

Foram organizados alguns sistemas-mundo e suas rotas comerciais e sociais, como estudo, por exemplo, Immanuel Wallerstein sobre a dinâmica do mundo moderno. Então, o bem definido foi a reflexão sobre as fronteiras, não como elas separam, mas como elas fazem interagir, cada uma com seus entraves, as diferenças sociais, acrescido do componente econômico, fato que fez repensar conceitos limitados de uma geografia de fronteiras nacionais. São, então, interconexões econômicas, sociais e, por que não, culturais. 

No caso em tela, seriam "fronteiras da mercadoria" e "rotas socioespaciais", como reforçou Jason W. Moore, no estudo justamente sobre como essa sociologia da economia do sistema-mundo afeta uma dita ecologia política gerada pelo capitalismo. De agora, a Américas e seu sistema-mundo de fronteiras de mercado nessa rede de exploração. Uma fronteira definida por rotas socioespaciais em que mercadorias, pessoas(também como mercadoria, às vezes, saberes circulam).

Com essas cartografias, o capitalismo desembarcou nas Américas nessa era moderna, cumprindo rotas de mercado que alcançariam uma escala global, mais precisamente pela produção e exportação do açúcar a partir da cana própria que movimentaria o desenvolvimento do capitalismo na altura dos séculos XIV e XIX.

Marcando a primeira modernidade com a produção agrícola, da Ilha da Madeira, ao litoral do Brasil, aos campos férteis dos Barbados, Cuba e Jamaica, essa produção do açúcar nas colônias, sustentou, por tempos, as metrópoles europeias. Sob a justificativa da exaustão de terras para cultivo e da ânsia pela ideia de conquista

Mercantilizando o mundo em sistema, à quantas mãos eram feitas o açúcar para a mesa de uma Europa? Pode-se calcular, a partir dos dados fornecidos por Moore: o tempo de moagem da cana após o corte é de 48 horas, mais mãos, mais mão de obra de indígenas e, agora, também de um contingente de africanos; outro sistema-mundo na rota comercial dos escravos enquanto categoria social? Eram ceifados os campos de cana-de-açúcar, eram ceifadas vidas. Exaustão. Substituição. Produção. Exportação; ciclo da plantation. 

Sobre a lógica do cultivo em monocultura, vai dizer Moore, da dimensão da degradação ecológica, acrescento, da degradação humana, da degradação da ecologia dos saberes que não os europeus. Há uma história ambiental na mudança do ambiente, na maneira em que são afetados os ecossistemas desmatamento de cobertura vegetal com as tecnologias da espoliação (não seriam tributários desse comportamento?). Madeira foi extraída, animais nativos foram extintos também por queimadas, animais de biomas diferentes introduzidos pelos europeus com fins preparação para os plantios. Um imperialismo ecológico, um impacto ecológico pensado, atéaqui, nos campos de cana gerando degradação dos ecossistemas pelo capitalismo.  

Esse foi um dos resultados da busca por conquistas pelas Américas: a produção agrícola, sobretudo de cana-de-açúcar, determinando que moinhos movidos movessem o mundo, seu sistema à época. Era esse o movimento do império, conquista, produção, circulação e consumo. Um mundo sistêmico em que os engenhos não dão lucro real aos fazendeiros, já algozes, mas ao mais perversos financiadores da exploração, um capital para os capitalistas. E, para isso, a economia açucareira, seu produto, fez parte da dieta de parte dos europeus. E foi a cultura da cultura do açúcar. O açúcar era conquista. O sistema-mundo do açúcar tinha sido conquistado


Autoria:

Eumara Maciel dos Santos


 

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